terça-feira, 7 de junho de 2011

Capítulo III


Enquanto isso, haviam contratado outro funcionário para substituir-me na empresa. Alguns estavam felizes com isso outros nem tanto, ainda sofriam com a minha situação. Foi então que notei que eu ainda não havia sido dado como defunto, estava deitado numa cama de hospital em coma. Queria saber desde quando estava lá. Como não havia tomado a minha decisão comecei a me observar constantemente. Notei a presença de uma pessoa, a única visita que recebia, mas pensei deve ser a enfermeira. Passei a desviar minha atenção para aquela pessoa, havia algo mais nela que simplesmente uma enfermeira. Carinhosamente ela se aproximava de meu leito frio, apossava-se de minhas mãos, chorava um pouco, clamava por Deus e orava por horas. Tentei me lembrar se tinha alguém que seria capaz de fazer tal caridade por mim, visto que sempre fui muito só.
De onde eu estava não se conseguia definir as feições do rosto daquela criatura divina, pois tal atitude só pode vir de Deus. Fazia algum tempo que Áurea não falava comigo, certamente estaria em sua dura rotina de receber os possíveis mortos ou vivos (ainda não tenho bem claro essa situação); sei que não tardaria muito o seu retorno, mas nem me importava mais, estava engajado em descobrir quem era a pessoa que velava meu sono e que pedia por minha melhora.
Tentei aproximar do meu corpo, e quem sabe encontrar com meu anjo. Uma força me impedia de realizar tais movimentos, mas a vontade era tamanha que provoquei algum desequilíbrio naquela dimensão. Durante milésimos de segundos vi passar diante de meus olhos dois mundos totalmente antagônicos. Também senti uma energia assustadora colocando ordem na bagunça que causei. Fiquei com muito medo e me escondi por dias, eu acho.

Capítulo II


II
Havia algum tempo que estava descontente com a minha vida sem graça. O fato de encontrar-me com Áurea abriu uma janela enorme, porém aceitar que estou morto ou querer estar morto para encontrar e viver no desconhecimento provoca-me muitas dúvidas. Como poderei “trocar o certo pelo incerto”, mesmo estando cansado da rotina? Sabia que deveria fazer uma escolha, a qual mudaria toda minha vida, ou minha morte? Nossa quanta confusão, tenho que morrer para nascer ou nascer para morrer? As dúvidas aumentavam ainda mais. Nesse emaranhado de pensamentos lembrei-me de um texto de meu amigo José Carlos, era algo mais ou menos assim:
“Às vezes, a Beleza é o demônio disfarçado de anjo
Se você a seguir cairá nas trevas
Num labirinto vencido por poucos
Se o caminho era difícil enquanto simples mortal
Não faz idéia como ficará pior
A saga do sonhador está apenas começando
Palavras doces podem te levar ao inferno
A facilidade momentânea pode ser o caminho mais gostoso
Mas, não se esqueça que a eternidade é muito mais longa que alguns anos terrestres
Siga o “carpe diem” e viverás na “áurea mediocritas”
A efemeridade eufemizada pode te levar a uma encruzilhada
Basta fazer a escolha certa                                                                                 
A sua Vida não precisa terminar com sua Morte
O sofrimento também tem seu lado positivo
Aprenda com ele, mesmo que tente evitá-lo
Olhe com os olhos da fé e tudo verás
Seja coletivo na individualidade
Faça de sua experiência aprendizagem ao próximo
Estenda a mão não para aqueles que estão de pé
Mas para aqueles que precisam
 Lembre-se “muitos são os chamados, poucos são os escolhidos”.”

Sinceramente não sei porque fui lembrar de tal texto, isso confundiu-me mais, pois agora eu questionava a beleza e bondade de Áurea. Será que eu tinha esse direito e audácia em questionar a reputação de um ser tão místico e iluminado? Se tenho ou não, sei que questionei. As palavras do poema expressavam muito mais que podemos imaginar, até parece que foi enviada de propósito. Mas quem faria isso? Por quê? Penso, será que realmente desfaleci, ou sou um louco procurando sanidade na loucura?
A poucos metros eu via Áurea estendendo a mão em minha direção convidando-me a entrar naquela dimensão. A claridade era tamanha, dava a impressão de ser um portal como aqueles que há nos filmes de ficção científica. Era tudo muito mágico e belo, mas a frase “Às vezes, a Beleza é o demônio disfarçado de anjo”, relutava em permanecer em meus pensamentos. Sentia-me cativo à Áurea e extremamente envolvido por ela. Minhas pernas impulsionava-me ao encontro daquele portal. A tomada de decisão teria que ser rápida.o medo do novo era horrendo, o eixo das possibilidades e das condicionalidades corria como sangue em minhas veias.
Áurea notou meu desespero e veio confortar-me, ela sabia que era uma encruzilhada e que a escolha certa traria muitos benefícios, mas qual era a escolha certa. Estava tudo acontecendo de maneira muito simples. Eu tinha que questionar, sempre soube que nada vem de graça. Será que eu era o escolhido ou todos passam por isso? Por que não tinha mais ninguém, se sei que morre pessoas a todo instante? Criei coragem, segurei minhas pernas e resolvi encontrar algumas respostas. Chamei Áurea para próximo de mim e verbalizei todos os pensamentos que acabara de ter. Numa fração de segundos senti hostilidade nos olhos de Áurea. Ela aproximou de mim e toda serena tentava aquietar meu coração. Não sei quantificar em horas o quanto durou nossa conversa.

Devaneios


I
Aconteceu no tempo em que os dias eram gloriosos e cheios de alegrias. Surgiu na Terra um imensurável ser provocando nostalgia. A escuridão sucumbiu com toda luz e instaurou-se o mundo das trevas. Muitos foram os anos em que o planeta sofreu na escuridão.
Os seres vivos perambulavam perdidos na penumbra, onde sequer um resquício de luz era encontrado. Os animais noturnos reinaram e inconscientemente dominaram os poderosos humanos. A vida era simplesmente uma sucessão de noites sem esperança em que a inteligência humana dava lugar ao instinto animalesco. Respeito, cumplicidade, amor se tornaram palavras sem valor. Com o tempo até as palavras perderam sua utilidade, restando apenas grunhidos e gemidos. Não se pronunciava fonema algum que tivesse significado.
Em meio a todo o caos, havia uma pequena criança que nascida no início da escuridão, continha consigo habilidades secretas e uma áurea estonteante, mas por ser diferente não podia andar no meio dos outros. Em sua total solidão ela descobriu o segredo da escuridão e sabiamente pronunciou em um linguajar desconhecido algo como:
“Escuridão, o que vos queres de nós? Seu poder não é maior que o meu, pois sem a Luz vossa existência é insignificante. Vós sois um arremedo de punição, se pensas que reina soberana estais enganada, porque a Luz retorna a sua casa e diferentemente de tu, que és egoísta, a Luz te dará um período em que poderás aparecer, mas sempre vigiada pelos olhos da Lua. Pelo amanhecer viverás escondida admirando a vida que a Luz promove, enquanto tu a queres destruir. De agora em diante, serás a sombra e não reinarás em tempo algum.”
 Nesse instante, a criança toca algo estranho, provocando um estrondo. Todos assustados tentavam abrigar-se, no entanto, um forte vento expulsa a escuridão e o Sol que tanto dormia, levantou-se radiante. Todos os que se mantiveram íntegros puderam ver a Luz novamente ou pela primeira vez. Mas aqueles que se perderam na iniqüidade foram varridos da face da Terra.
TIC TAC, TIC TAC, TRIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM, soou o despertador e novamente acordei atrasado para mais um dia de trabalho. Nesse dia acordei com uma sensação estranha, confusa. Algo me incomodava, não sabia o que era, mas sabia que minha inquietude tinha algum fundamento. A sensação estranha acompanhou-me por toda a manhã. Eu não sabia se contava o sonho que tive, se resolvesse contar eu não tinha claro a sequência dos fatos e nem me recordo dos rostos que estavam presentes em meu sonho.    
Durante meu horário de almoço cochilei e fragmentos de meu sonho vinham a minha mente, porém ainda mais confusos. A tarde durou uma eternidade, não conseguia me concentrar no trabalho e nem no que meus companheiros diziam. Em minha cabeça vinham sempre os mesmos pensamentos. Algo em tudo aquilo me atraia e me hipnotizava.
Na noite seguinte, adormeci e nada aconteceu. Assim foram os dias posteriores, até que resolvi procurar uma pessoa que interpretasse aquele sonho. Foi nesta noite que adormeci mais cedo, e tudo voltou como no sonho anterior, porém não acordei mais deste sonho. A noite era minha única companheira. Estava muito confuso, preocupado com o trabalho com a minha rotineira vida. Não sabia se estava dormindo, se havia passado dias, meses, anos ou apenas horas. Apenas sei que estava ficando entediado, daí recordei da fala da menina. Como uma flecha, senti-me golpeado pela Luz, rapidamente olhei para o lado em que era irradiada toda aquela Luz e vi ao fundo a menina dos meus sonhos. Tinha uma expressão de cansada, a respiração ofegante, quase não podia mais caminhar. Fui ao encontro dela e a peguei nos braços, esperei que ela se recompusesse e despejei minhas dúvidas todas simultaneamente, pois estava cansado de estar naquele lugar. Angelicalmente, a menina pediu-me calma com seus olhos, eu atendi. Não sei explicar o porquê, mas ela exercia um grande poder sobre mim. 
Aos pouco percebi que não comia nem bebia há algum tempo, isso era apenas uma observação, pois fome e sede não se tinham por ali. A linda menina aos poucos recobrou suas forças e calmamente me explicou o que eu fazia naquele lugar. O estranho era que conversávamos num dialeto jamais ouvido, mas eu a compreendia. Foi nesse instante que descobri quem era aquela menina e qual era a sua função.
As palavras saiam de sua boca tão suave que nem percebi a escuridão desaparecer. Fascinado pela luz comecei a me beliscar para ter certeza que aquilo não era um sonho. No devaneio de minha sanidade não me importei com a notícia de que meu corpo se divorciara de minha alma. Que muitos choravam sobre meu corpo, até aqueles que nem me conhecia.
A menina chamava-se Áurea, sua função era recepcionar a todos que estavam na escuridão. Aqueles que escolhessem acompanhá-la estariam selando sua nova vida com a morte da anterior, no entanto, os que não aceitavam a transfiguração seriam julgados e se merecessem uma segunda chance regressariam ao seu corpo. Deves estar curioso em saber como é a nova vida na companhia de Áurea, mas serei obrigado a aguçar um pouco mais sua curiosidade e dizer que... continua no próximo capítulo. 

Desabafo amoroso

Olá, sabia que escrever para você é muito difícil. Não porque me corrigiria, mas porque as palavras somem, se escondem. Penso muito, porém tudo o que vem em minha mente não chega a um milésimo do que quero dizer. Já peguei uma folha de papel em branco por várias vezes e junto com a caneta tentei me expressar. Foram muitas tentativas sem sucesso. Não sei dizer se é porque não tenho criatividade, ou se as palavras se sentem intimidadas diante de tua beleza. Ou ainda se se acham insignificantes ou incapazes de se juntarem e formarem um texto lindo. Quero dizer tanta coisa, no entanto tropeço na imprecisão de meu inconsciente e acabo por não dizer nada. E, quando digo surtem efeito inesperado e desastroso. Penso nas palavras rebuscadas da literatura clássica, em textos perfeitos quanto ao conteúdo e seu lirismo. Mas para minha decepção não sai sequer uma frase bem formulada. Após muitas tentativas percebi que para falar o que eu quero não preciso de palavras complicadas, de tentar ser o que não sou, e sim preciso é de atitudes bonitas e de palavras simples como: “Bom dia, meu amor.”, “Você é linda, mas hoje se superou.”, “Te amo.”, “Te adoro.”, “Senti sua falta.”. E por aí vai...
Percebi que deveria escrever com a alma, com toda minha essência, só assim sairia do labirinto mórbido da ignorância. Para expressar sentimentos devo senti-los, para entender o amor devo amar, então conclui que para expressar com palavras devo obedecê-las e não dá ordens como sargento. Nesse instante, percebi que minha frieza me resumia ao nada, enquanto meu coração bombeava sensações prazerosas de amor. Todas elas para você, minha amada. O calor do amor destoa da frieza lógica que tentamos dar à vida. Entendi que devo ouvir no silêncio de meu coração a mais bela canção, e deixá-lo dizer o quanto tu és especial, é ser sábio. Por isso, quero que saiba vivi muitas experiências em minha vida, algumas boas outras ruins. Nenhuma se compara a você, pois tu estás acima de todas elas, assim como as divindades, reinas soberana em meu coração. Entretanto, peço-lhe perdão por todos os meus defeitos e permissão para que mesmo em minha humanidade frágil, desfrute de sua companhia.
Por fim, ou melhor, dando início a mais uma etapa da vida, quero externar minha eterna gratidão pelos ensinamentos, pelo carinho que dedicou a mim e por me ensinar amar. Sei que a felicidade estará sempre contigo, quando as nuvens negras se aproximarem serão apenas para se encantarem com sua beleza e tornarem nuvens brancas novamente. Tenho esperança de contribuir para que seu sorriso continue alegrando as pessoas que a rodeia e que o amor que sinto por ti mova as montanhas.
Nesse instante, dizer que te amo seria redundante. Então,que seja redundância: Te AMO...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Maior Abandonado


Era um dia diferente para o casal José e Elza, estavam apreensivos naquele hospital, muitos gritos soavam pelos corredores. Até que como um estalo de uma fechadura se abrindo vem ao mundo uma criança pesando por volta de três a quatro quilos, chamada José Carlos. A felicidade toma conta do casal, ficam eufóricos, entretanto não podem comemorar muito nem fazer muito alarido. Pois o nosso amigo José era casado com outra mulher e tinha sete lindos filhos com ela. Como você leitor já percebeu ele tinha uma amante e esta acabara de gerar um filho, o qual será o protagonista desta história.
O casal após o primeiro filho juntos, juntos porque dona Elza já tinha uma filha de outro namoro, continuava insaciável de amor, conseqüência um ano e um dia depois nasce outro bebê. Ela resolve por fim a tanta fertilidade e faz a famosa operação para não mais engravidar.
Nessa primeira fase da vida, moravam juntos apenas dona Elza e seus três filhos. Pareciam nômades, cada ano moravam numa cidade diferente, sempre auxiliado pelo sigiloso José. Até que por volta de uns três ou quatros anos nessa vida José toma uma decisão e divorcia de sua esposa oficial, deixando para trás toda uma história de vida, além de sete filhos e algumas propriedades. Irresoluto desta decisão fixa moradia com dona Elza e seus três filhos. Mas não pensem que foi tão fácil como está parecendo. Nesses entremeios houve muitas brigas, muitas caras viradas e foram considerados os principais culpados de tudo isso as três inocentes crianças. Estas já eram odiadas por muitos, como se elas tivessem planejado tudo. Quando na realidade nem ao menos sabiam o que estava acontecendo, tratadas como perigosos criminosos, merecendo o desprezo de seus familiares ainda desconhecidos.
Passada a fase de turbulência, os nômades passaram por cidades como Boa Esperança, Estrela D’Oeste, Jales, Dolcinópolis, Vitória Brasil, Populina, Urânia, por três diferentes regiões do Mato Grosso do Sul e por aí vai.
O casal vivia trocando de moradia ora residiam na cidade ora no campo, nessas idas e vindas José foi perdendo suas riquezas materiais. Elza era uma mulher de personalidade forte e não se contentava com nada, lugar nenhum estava bom. José apaixonado por ela fazia-lhe todas as vontades. Ele era muito trabalhador, e não vamos negar que mulherengo também, no entanto quando estava com Elza manteve-se comportado. Elza gostava tanto de ficar viajando que em uma dessas suas viagens levou consigo seu filho do meio o José Carlos (cinco anos), mas ele não podia viajar de ônibus sempre passava muito mal, para sanar esse probleminha de José Carlos sua mãe dava-lhe DRAMIM, lógico que o comprimido era dividido em quatro partes. Porém José Carlos era teimoso, tomava uma parte, mas não fazia efeito, sua mãe para não ter trabalho dava-lhe outra parte e assim foi que no final ele tinha tomado quase que dois comprimidos inteiros, conseqüência dessa imaturidade de sua mãe o menino dormiu por quase quatro dias ininterruptos. José o pai do menino quando o viu naquele estado levou-lhe ao hospital com muito sacrifício, pois moravam numa fazenda no interior do Mato Grosso do Sul onde os recursos eram mínimos. No hospital, o médico disse que o menino não morreu por Deus porque a quantidade de remédio ingerindo foi muito grande, disse também que ele poderia ficar com seqüelas, o que de fato não aconteceu.
Passado mais um ano ou dois as crianças entraram na idade de freqüentar a escola, foi quando voltaram para o Estado de São Paulo fixando moradia na cidade de Urânia. José Carlos e seus dois irmãos freqüentavam uma escola de ensino infantil, porém como entraram quase no final do ano pouco aprenderam. Eram uma família inconstante, mas feliz. Até que no dia 27 de dezembro do ano de 1988, mesmo ano que voltaram para o Estado de São Paulo, Elza diz aos filhos que iria numa loja comprar roupas e desde então não mais voltou. Deixou para trás esposo, uma menina de nove anos, um menino de sete e outro de seis. Estes choraram muito pela partida da mãe, viram-se abandonados pela sua progenitora, a pessoa que mais amavam. José que não tinha dotes para cuidar de três crianças pequenas viu-se numa encruzilhada. Pensando que seria melhor para os filhos resolveu dá-los para adoção. As crianças sempre juntas e unidas abominavam tal idéia, mas como eram apenas crianças e não opinavam passaram pelo processo de adoção. A menina foi morar em Neves Paulista com uma irmã de José, o José Carlos ficou em Urânia mesmo, morando com uns sobrinhos do José e o caçula foi para Estrela D’Oeste morar com dona Izabel a irmã mais velha de José. Aquela família simples e feliz estava dilacerada. Uma nova fase na vida daquelas crianças surgiu...
Cada um para o canto que lhes deram, mas José Carlos ainda teria mudanças interessantes em sua vida. Morando na casa de seus primos o José Rubens e a Márcia, ambos professores. Nesta nova família José Carlos ganhou mais três “irmãos” (primos); duas meninas e um menino da mesma idade que José Carlos. Dona Márcia como boa professora de língua portuguesa que é, logo se encarregou de matricular o menino na escola. José Carlos agora não era mais um menino tão comunicativo, era muito tímido, mas adorou entrar na escola. Ele tinha um probleminha, digo problema, melhor ainda ele tinha um problemão. Não havia feito o famoso pré, por isso não conhecia as letras, tinha muita dificuldade em acompanhar os outros alunos, visto que pouco incentivo aos estudos teve anteriormente. José Carlos era mirradinho, uma criança amendrontada por aquela situação. Teve muitas mudanças num espaço curto de tempo. Só para relembrarmos abandonado pela mãe, separado dos irmãos, acolhido numa nova família e não conseguia acompanhar os outros alunos na escola. O menino estava com a cabeça a mil. Porém a vida deu-lhe seu melhor remédio, o tempo.
José Rubens e dona Márcia vendo a dificuldade do menino em acompanhar o ritmo de estudo naquela sala, considerada a sala boa da escola, rapidamente contratou uma professora particular. José Carlos passou a ter uma rotina intensificada de estudos e começou a gostar de aprender. Era um aluno aplicado e esperto, fazia todas as tarefas solicitadas e ainda tinha que passar pela cuidadosa vigilância em casa, visto que José Rubens e dona Márcia professores de matemática e português respectivamente. Sempre preocupados com os filhos e com a boa formação davam-lhes muita assistência, conseqüentemente havia muita cobrança.
Com as aulas particulares José Carlos de aluno atrasadinho começa a ganhar novas posições na corrida do conhecimento. Tudo estava indo bem, o incômodo da separação havia amenizado. José tinha novamente uma família feliz e amorosa. Já não sofria tanto, tinha ficado amigo das letras e dos números, brincava muito enfim novamente podia dizer que estava no papel de filho. Entretanto a vida guardava-lhe muita surpresa.
Na escola, já era considerado um bom aluno e aos poucos foi dispensando o excelente trabalho de sua querida professora particular. Já era visto por seus colegas de escola não mais como um bicho do mato e sim como um deles.
A vida parecia ter entrado nos eixos, até que do nada surge aquela fantástica figura de Dona Elza. Vocês amigos, lembram dela? Aquela que foi comprar roupas e errou de endereço ao voltar para casa, perdendo-se por caminhos nunca antes navegados. José Carlos ficou balançado psicologicamente com a volta de sua mãe, justamente num momento que havia decidido amar sua nova família da mesma forma que amou a anterior.
Dona Elza voltara não para sua família, mas veio querendo levar um de seus filhos com ela. Imaginem, meus caros leitores, quem foi a vítima. Nossa como vocês são espertos, exatamente, o ingênuo do José Carlos. Foi nessa época que o menino ficou sabendo que sua mãe amada havia trocado seu pai por um taxista. O menino não sabia como reagir, entrou num conflito interno, racionalmente não queria saber mais de sua mãe, no entanto seu coração mole de filho dizia o oposto. Nesse dilema o menino foi levado novamente ao fórum e lá o juiz fez-lhe uma difícil pergunta. Uma daquelas perguntas que dependendo da resposta dão uma guinada na vida. Perguntou-lhe se queria ficar com sua nova família ou ir morar com sua mãe. Diante dessa encruzilhada, optou por ir morar com sua mãe. Esta havia prometido ao juiz cuidar muito bem da criança e que o matricularia na escola.
Vitoriosa, dona Elza leva-o consigo para morar em Santa Bárbara D’Oeste junto com seu novo esposo, o taxista. Outra mudança na vida do nosso protagonista. Lá, moravam numa ridícula, ops, errei numa edícula no fundo de outra casa. Era um bairro pobre. A casa tinha apenas três cômodos, sendo quarto, cozinha e banheiro. O casal saia cedo para trabalhar e deixava a criança sozinha na casa durante todo o dia. Voltavam ao findar do dia, era quando o menino tinha alguma companhia.
Os dias foram passando e nada de ser matriculado, todos os dias naquela mesma monótona rotina e com um agravante. Vocês não sabem, mas havia apenas uma cama onde dormiam José Carlos, Elza e o taxista. Não é preciso ser muito esperto para adivinhar qual era o agravante. O menino era um estorvo na vida do casal, como namorariam com um pentelho no meio. Começaram as brigas, logo veio as alternativas. “Ou você manda o menino embora ou quem vai embora sou eu”. Dona Elza sem pensar muito fez a escolha. Numa bela manhã do dia 11 de outubro de 1989, Elza sai com seu filho, vai a um orelhão e telefona para José Garcia (o pai). Ao telefone inventa um monte de mentiras sobre o menino, dizendo que este chorava muito, que dava muito trabalho e por aí vai. José Carlos só ali ouvindo todas aquelas mentiras ao seu respeito, mas continuava calado. Por fim dona Elza manda o menino confirmar tudo aquilo que ela havia dito e pedir para seu pai ir buscá-lo, foi o que José Carlos obediente como um animal adestrado fez. No dia seguinte José Garcia chega à Santa Bárbara e pega o menino. Neste dia como era de praxe o menino estava novamente sozinho em casa, nem despedir-se do filho Elza foi. Este foi o presente ganho no dia das crianças. Outra rejeição. E agora José?
José pensa, mas não sabe nada de seu futuro inconstante. Chegado a Estrela d’Oeste, José Carlos reencontrou seu irmão e foi morar com Dona Izabel e Dona Carmem, a avó paterna. Nesta casa residiam agora sete pessoas, a casa era bem grande e confortável. Ali o menino foi bem recebido e amado. Logo foram atrás de colocá-lo na escola. A tia do José Carlos matriculou-o na primeira série, isso tudo ainda no mês de outubro. Na escola, o ensino ainda era à base da cartilha. Como José havia tido boas professoras no início do ano, logo acompanhou a turma e mesmo estudando apenas uns quatro meses durante o ano todo, foi aprovado sem dificuldades. O menino tinha um trauma de rejeição, no entanto isso aparentemente não interferiu no seu aprendizado, parece que este funcionava como uma válvula de escape. Visto que seu empenho nos estudos e a timidez que adquiriu fizeram com que fosse sempre o mais quieto da turma e um dos melhores alunos.
José Carlos era o aluno que todo professor queria ter, não dava trabalho, participava das aulas, aprendia rápido, fazia todas as tarefas antecipadamente e só falava nas aulas quando solicitado. Entretanto sua timidez o impedia de se expor perante a um público maior. Era como se uma força maior o impedisse de falar. Tinha uma memória fantástica e era muito prestativo, dificilmente envolvia nas artes de seu irmão e de seus primos. Estes o chamavam de queridinho e muitas vezes ficavam chateados porque o José Carlos nunca era o culpado, por isso os pais deles usavam-o como modelo a ser seguido, nos sermões que davam aos primos do José quando estes aprontavam.
Na escola, quando havia reuniões eram só elogios a respeito do menino, dona Izabel voltava toda satisfeita com seu sobrinho. Naquela época José Carlos, mesmo muito tímido, participava das danças escolares como quadrilha e outras. Tudo corria muito bem, porém o menino tinha criado um mundo para se proteger do trauma que ele guardava para si. Nunca tocava no assunto sobre sua mãe e sempre evitava ter relacionamentos mais intensos, pois tinha um medo enorme de ser novamente abandonado por alguém que ele amasse. Isso fez com que construísse uma muralha quase que intransponível no seu coração. Sempre agia com a razão, parecendo ser frio e calculista. Usava o ataque para se defender e assim foi vivendo, até que passado alguns anos viu que aquilo tudo era muito ruim, e a dor da rejeição ficava menor. Aos poucos foi desmanchando a muralha e deixando a luz entrar, mas o processo é muito lento. Começou por falar nos seminários propostos pelos professores e isso foi dando-lhe confiança e aumentando a auto-estima. Foi aceitando a escolha de sua mãe e até compreendia-a. Porém agia como se não houvesse mãe, dava-lhe a mesma importância que dava a um conhecido. Falar sobre o assunto não doía tanto. O menino amadureceu muito rápido, perdendo boa parte de sua infância, era uma criança adulta preocupada em agradar as pessoas, mesmo que para isso sacrificasse sua adolescência.
Foi um jovem admirável e muito responsável. Apesar de ter tido uma vida escolar tranqüila teve algumas experiências dignas de serem relatadas, mas ficarão para uma próxima conversa. José Carlos estudou desde a primeira série até a terceira série do ensino médio na Escola Estadual “Sílvio Miotto” de Estrela d’Oeste, de onde guarda ótimas lembranças. Já que esta foi peça fundamental na sua formação como homem e cidadão.
Passada essa etapa da vida José Carlos ingressou no ensino superior e hoje está aqui contando um pouquinho de sua trajetória de vida.