I
Aconteceu no tempo em que os dias eram gloriosos e cheios de alegrias. Surgiu na Terra um imensurável ser provocando nostalgia. A escuridão sucumbiu com toda luz e instaurou-se o mundo das trevas. Muitos foram os anos em que o planeta sofreu na escuridão.
Os seres vivos perambulavam perdidos na penumbra, onde sequer um resquício de luz era encontrado. Os animais noturnos reinaram e inconscientemente dominaram os poderosos humanos. A vida era simplesmente uma sucessão de noites sem esperança em que a inteligência humana dava lugar ao instinto animalesco. Respeito, cumplicidade, amor se tornaram palavras sem valor. Com o tempo até as palavras perderam sua utilidade, restando apenas grunhidos e gemidos. Não se pronunciava fonema algum que tivesse significado.
Em meio a todo o caos, havia uma pequena criança que nascida no início da escuridão, continha consigo habilidades secretas e uma áurea estonteante, mas por ser diferente não podia andar no meio dos outros. Em sua total solidão ela descobriu o segredo da escuridão e sabiamente pronunciou em um linguajar desconhecido algo como:
“Escuridão, o que vos queres de nós? Seu poder não é maior que o meu, pois sem a Luz vossa existência é insignificante. Vós sois um arremedo de punição, se pensas que reina soberana estais enganada, porque a Luz retorna a sua casa e diferentemente de tu, que és egoísta, a Luz te dará um período em que poderás aparecer, mas sempre vigiada pelos olhos da Lua. Pelo amanhecer viverás escondida admirando a vida que a Luz promove, enquanto tu a queres destruir. De agora em diante, serás a sombra e não reinarás em tempo algum.”
Nesse instante, a criança toca algo estranho, provocando um estrondo. Todos assustados tentavam abrigar-se, no entanto, um forte vento expulsa a escuridão e o Sol que tanto dormia, levantou-se radiante. Todos os que se mantiveram íntegros puderam ver a Luz novamente ou pela primeira vez. Mas aqueles que se perderam na iniqüidade foram varridos da face da Terra.
TIC TAC, TIC TAC, TRIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM, soou o despertador e novamente acordei atrasado para mais um dia de trabalho. Nesse dia acordei com uma sensação estranha, confusa. Algo me incomodava, não sabia o que era, mas sabia que minha inquietude tinha algum fundamento. A sensação estranha acompanhou-me por toda a manhã. Eu não sabia se contava o sonho que tive, se resolvesse contar eu não tinha claro a sequência dos fatos e nem me recordo dos rostos que estavam presentes em meu sonho.
Durante meu horário de almoço cochilei e fragmentos de meu sonho vinham a minha mente, porém ainda mais confusos. A tarde durou uma eternidade, não conseguia me concentrar no trabalho e nem no que meus companheiros diziam. Em minha cabeça vinham sempre os mesmos pensamentos. Algo em tudo aquilo me atraia e me hipnotizava.
Na noite seguinte, adormeci e nada aconteceu. Assim foram os dias posteriores, até que resolvi procurar uma pessoa que interpretasse aquele sonho. Foi nesta noite que adormeci mais cedo, e tudo voltou como no sonho anterior, porém não acordei mais deste sonho. A noite era minha única companheira. Estava muito confuso, preocupado com o trabalho com a minha rotineira vida. Não sabia se estava dormindo, se havia passado dias, meses, anos ou apenas horas. Apenas sei que estava ficando entediado, daí recordei da fala da menina. Como uma flecha, senti-me golpeado pela Luz, rapidamente olhei para o lado em que era irradiada toda aquela Luz e vi ao fundo a menina dos meus sonhos. Tinha uma expressão de cansada, a respiração ofegante, quase não podia mais caminhar. Fui ao encontro dela e a peguei nos braços, esperei que ela se recompusesse e despejei minhas dúvidas todas simultaneamente, pois estava cansado de estar naquele lugar. Angelicalmente, a menina pediu-me calma com seus olhos, eu atendi. Não sei explicar o porquê, mas ela exercia um grande poder sobre mim.
Aos pouco percebi que não comia nem bebia há algum tempo, isso era apenas uma observação, pois fome e sede não se tinham por ali. A linda menina aos poucos recobrou suas forças e calmamente me explicou o que eu fazia naquele lugar. O estranho era que conversávamos num dialeto jamais ouvido, mas eu a compreendia. Foi nesse instante que descobri quem era aquela menina e qual era a sua função.
As palavras saiam de sua boca tão suave que nem percebi a escuridão desaparecer. Fascinado pela luz comecei a me beliscar para ter certeza que aquilo não era um sonho. No devaneio de minha sanidade não me importei com a notícia de que meu corpo se divorciara de minha alma. Que muitos choravam sobre meu corpo, até aqueles que nem me conhecia.
A menina chamava-se Áurea, sua função era recepcionar a todos que estavam na escuridão. Aqueles que escolhessem acompanhá-la estariam selando sua nova vida com a morte da anterior, no entanto, os que não aceitavam a transfiguração seriam julgados e se merecessem uma segunda chance regressariam ao seu corpo. Deves estar curioso em saber como é a nova vida na companhia de Áurea, mas serei obrigado a aguçar um pouco mais sua curiosidade e dizer que... continua no próximo capítulo.
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